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Histórico XXII Governo - República Portuguesa Voltar para Governo em funções

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2021-07-28 às 13h14

Cinco perguntas para o futuro da Europa

Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva
O Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, afirmou que o futuro da Europa deve ser pensado «colocando questões de atualidade e pensando nas várias formas como lhes respondemos», na abertura da Conferência sobre o futuro da Europa.

A conferência, que está a decorrer nos 27 Estados membros da União, propõe-se mobilizar cidadãos e instituições em toda a Europa para discutir o futuro da Europa. A sessão de abertura em Portugal realizou-se em Lisboa.

O Ministro apresentou cinco perguntas, que enquadrou e às quais abriu algumas perspetivas de resposta.

Fundações

A primeira pergunta de Santos Silva - «que a evolução recente nos obriga a colocar» - foi «quais são as fundações da União»?

Referiu que «os tratados respondem a isto dizendo que é uma união de Estados soberanos que comungam de princípios e valores comuns», sendo estes «a adesão à democracia política, o cumprimento das regras do Estado de direito, o modelo de economia de mercado com fortíssima componente social, a aceitação do acervo acumulado ao longo do processo da construção europeia». 

Os países candidatos «têm de cumprir estes critérios de entrada que são também critérios de permanência», disse exemplificando que «a regra da unanimidade em política externa ou de defesa e do consenso nas orientações do Conselho Europeu, são um direito de cada Estado para proteger o seu interesse nacional, mas também uma responsabilidade de contribuir para o consenso».

Resposta única ou novo caminho

A segunda pergunta foi se a União vai «considerar a forma como respondeu à crise pandémica excecional e única, ou vai retirar desta forma lições para a consolidação do projeto europeu»?

O Ministro afirmou que «a resposta a esta crise foi muito diferente da forma como a União Europeia respondeu à crise financeira de 2008 e, depois, à crise das dívidas soberanas de 2010». «Foi diferente na rapidez (anos em 2010 e semanas em 2020), como os recursos financeiros foram de ordem completamente diferente e as políticas postas em prática foram antagónicas», disse.

Desta vez «não houve uma receita comum aplicada de cima para baixo na base de "temos de nos encolher", mas há planos nacionais, com compromissos comuns, mas negociados com a Comissão Europeia, de acordo com as regras de cada Estado, que responderam à crise com mais investimento, com políticas económicas expansionistas e políticas orçamentais contracíclicas».

«Isto significou que vários dos debates que tivemos ao longo destes anos se concretizaram em compromissos comuns que os lideres foram assumindo ao longo da crise e de que resultou a primeira emissão de dívida conjunta da UE, a adição ao orçamento de um instrumento financeiro adicional construído na mesma lógica distributiva entre o Estados, mas garantido pela emissão de dívida conjunta e pondo em prática uma política económica comum destinada a preservar o mercado interno, com o elemento novo de as obrigações contraídas pela emissão de dívida serem garantidas pelos Estados membros e assumidas através do reforço significativo dos recursos próprios da UE», disse.

Ou seja, sublinhou Santos Silva, «um orçamento com expressão significativa, obrigações europeias comuns, e uma base fiscal harmonizada, foram concretizados ao longo desta crise».

Para fazer tudo isto, «usámos o artigo do tratado que diz que para circunstâncias excecionais podemos tomar medidas excecionais, suspendendo algumas regras, e a pergunta que se põe é se isto foi excecional e irrepetível ou se significa um novo caminho?» «Eu espero que sim, mas vamos ter ainda de falar muito», disse. 

Maior dimensão europeia nas políticas sociais

A terceira pergunta é «se queremos reforçar a natureza europeia de políticas públicas que têm hoje um enquadramento sobretudo nacional, designadamente as políticas sociais»?

O Ministro lembrou que «nos tratados, estas políticas são tipicamente nacionais, e ao longo dos anos constatámos a insuficiência desta disposição e dissemos que, não pondo em causa a matriz nacional, era preciso acrescentar-lhes dimensão europeia».

Santos Silva deu o exemplo da evolução «para uma União Europeia para a Saúde, com o primeiro programa do quadro financeiro plurianual com um valor significativo alocado (mais de 5 mil milhões de euros), com o reforço das competências das instituições desta área, desde logo a agência do medicamento». 

«O ponto é saber se isto foi excecional ou se estamos a abrir um novo caminho. Não um caminho em que os Estados percam a capacidade de desenhar o seu próprio modelo, mas em que esta capacidade de articula com uma dimensão europeia», disse, acrescentando que «esta é uma discussão que vai estar muito presente na conferência».

Digital, ambiental e social

A quarta pergunta foi «qual é a orientação estratégica que queremos imprimir à construção europeia nos próximos tempos»?

O Ministro referiu que «estamos de acordo com a agenda estratégica até 2024, que diz que temos de evoluir numa transição climática e digital» e «ao longo da crise dissemos que a recuperação da economia tem de ser também a transformação da economia» nestes dois sentidos.

«Não houve nenhum plano nacional de recuperação aprovado que não cumprisse investimento significativos nos domínios da digitalização e da ação climática», disse, mas sublinhou que «o que a presidência portuguesa acrescentou a esta lógica foi a chamada de atenção crucial para que esta dupla transição só se ganha investindo na dimensão social europeia».

«A agenda social é condição sine qua non da agenda digital e da agenda climática», havendo «uma discussão entre os Estados, as famílias políticas e os parceiros sociais sobre isto», e sendo a conferência o lugar para a fazer.

Uma Europa autónoma e aberta

A quinta pergunta foi: num mundo, «que é cada vez menos europeu do ponto de vista demográfico e económico e devia ser mais europeu do ponto de vista institucional e da capacidade de liderar», «qual é o lugar e o papel da Europa?»

Santos Silva afirmou que «usamos a fórmula de uma autonomia estratégica aberta da União Europeia, com a qual queremos dizer que é preciso tornar a Europa mais resiliente, menos dependente, não de mercados externos, porque isso não é uma fraqueza, mas menos dependente de mercados externos sujeitos a condições institucionais que não são as nossas», o que é «uma diferença importante».

Este processo de garantir a autonomia da Europa no mundo «passa pela reindustrialização da União Europeia, que deve ser feita de forma não protecionista», mas passa também – «mais importante» - por definir com quem «essa Europa autónoma aberta ao mundo deve relacionar-se preferencialmente».

«Desde o Brexit», a saída do Reino Unido da União Europeia, «é muito importante ter em conta o jogo de triangulação entre União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido, que é essencial para consolidar as democracias e o Atlântico norte», afirmou. 

Mas também «é essencial que a Europa compreenda melhor que o seu vizinho se chama África e que, desde a América Latina ao Indo-Pacífico, a sua capacidade de se relacionar com todos e de assimilar a multipolaridade do mundo é decisiva para a União Europeia e para a ordem internacional», sublinhou, acrescentando que «esta também será uma questão estruturante do debate sobre o futuro da Europa».